30.12.07

Suerte, Bolívia!

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Não sou fã de retrospectivas e perspectivas feitas por veículos de comunicação no final do ano. Me parece uma solução para a falta de notícias nesta época em que tudo está parado. Políticos, Judiciário, times e outros geradores de manchetes estão de férias. Gostei da proposta diferente do jornal boliviano La Razón.

O periódico fez duas perguntas a 30 líderes políticos, membros do governo e da oposição. A primeira testa a iniciativa das figuras: o que o senhor pode fazer para melhorar a situação do país, considerando que, em 2008, serão discutidos temas cruciais, que poderiam gerar violência? A segunda, implicitamente, quer saber qual é a disposição que eles têm para negociar: O que o senhor vê de bom em seu adversário político?

Uma boa sacada, alinhada aos princípios do jornalismo cívico, que busca qualificar o debate político e promover a democracia. O contexto nacional boliviano clama pelo diálogo. O que preocupa é que tanto os governistas quanto os cinco prefeitos de departamentos que fazem oposição a Evo Morales não compreendem as causas que movem os adversários. Torçamos para que o ano que iniciará não seja marcado por golpes retrógrados.


Charge: Sítio do jornal La Razón

21.12.07

Onde ele aprende isto?

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Em uma conversa com jornalistas na manhã de ontem, Lula não permitiu gravadores nem blocos de anotações. Sorte de quem tem boa memória. Falou sobre uma penca de coisas, mas a declaração sobre o Mercosul vale registro.

O presidente defendeu o bloco, elogiou a reunião de Montevidéu e fechou à la Lula: "O filho pode não ser a criança mais bonita. Mas é nosso, e os outros não podem colocar defeitos".

Já cogito fazer uma compilação das metáforas e analogias do discurso luliano. Oito anos de pronunciamentos e entrevistas renderiam um livro.

20.12.07

Elas vêm chegando!



A idéia foi do Executivo. Yeda, que não tem primeira-dama para cuidar da Assistência Social, já fundiu a Pasta com a Secretaria de Justiça e agora quer entregar as rédeas para o ‘terceiro setor’.

Em pouco tempo, Ongs qualificadas como Organizações da Sociedade Civil de Interesse Público (OSCIPS) poderão assumir órgãos do governo gaúcho. A Assembléia aprovou, há dois dias, o modelo de parceira entre o Estado e as entidades. A princípio, elas só tomarão conta das áreas de cultura e assistência social, nas quais o Estado concorre com a iniciativa privada.

Espera aí! Quem conseguir juntar a papelada para se credenciar poderá meter a mão em grana pública para organizar exposições, administrar teatros, criar pseudo-eventos, fazer e acontecer
Exatamente!

Enquanto durar o termo de parceria, as Ongs manejarão a estrutura estatal – incluindo edifícios, carros, equipamentos – em nome do bem social, da paz, dos direitos humanos e da solidariedade.

Eu, que até hoje não me resolvi sobre o assunto, olho desconfiado tanto para o Estado máximo quanto para o mínimo. O que espinha um pouco é esse monstro que tem cada vez mais braços e não para de crescer. Toda madame ou político já pensou em fundar um Ong, se ainda não fundou.

A descrença generalizada no Estado faz com que a sociedade desiludida avalize esse movimento. O lema é velho: já que eles não fazem, façamos nós! Não podemos esperar parados.

O que é isso? Em português claro, neoliberalismo puro, travestido de bom moço. A indústria da solidariedade veio para aquecer o mercado, gerar empregos e justificar uma penca de projetos que abocanham muita grana PÚBLICA. Quem gosta do assunto pode entender os meandros do business do bom coração no filme Quanto Vale ou é por Quilo. Veja um trechinho acima.

19.12.07

O ovo ou a galinha?

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Achei genial. Pedi autorização e Orlandeli permitiu a publicação da charge no Polipoliticus. Quem quiser conferir mais da produção do cartunista e ilustrador, pode acessar o blog.

2.12.07

O Outro Lado

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Como o colega Augusto Paim e eu mesmo achamos o último post bastante parcial, tento equilibrar a opinião sobre o discurso e as ações do presidente venezuelano. O ponto de vista não é meu. É de alguém muito mais autorizado, especializado no tema. Na última quinta-feira, entrevistei o professor de história da UFRJ e analista da Globo News Francisco Teixeira da Silva. Parte da conversa foi publicada no Diário de Santa Maria, onde trabalho com freelancer. Reproduzo aqui o que foi para o jornal. O restante vem outro dia.



Gustavo Hennemann - Que momento do processo histórico vivemos na América Latina?

Francisco Teixeira da Silva - No começo dos anos 80, a maioria da população sul-americana - em Santiago, Buenos Aires, São Paulo, Rio de Janeiro e Lima - foram às ruas pedindo democracia. No continente, a democracia veio no bojo de grandes movimentos sociais, e não pelo arranjo de grupos da elite dominante, como aconteceu em outros períodos ditos democráticos da história. Significa que os grandes movimentos de democratização nesses países foram feitos por movimentos de massa. Nas duas décadas seguintes, essas demandas sociais não foram atendidas. Justamente na saída da ditadura, as pessoas passaram a ter menos empregos, empregos de pior qualidade e menos segurança cidadã. Por isso, a maioria dos latino-americanos, hoje, trocaria a democracia por mais e melhores empregos e mais segurança cidadã.


GH - Como podemos situar a figura do Hugo Chávez nesse cenário? Ele é o motor do movimento socialista da região?

FTS - Esse movimento, que luta por uma cidadania ampliada, se apresenta mais geral. Com características diferenciadas, obviamente, mas vai da Argentina, Chile até a Venezuela. É geral, e não pode ser centrado em um caso específico [de Chávez]. Agora, evidentemente, 1998 [quando Chávez é eleito] soa um alarme.



GH – O socialismo do século 21 é uma nova tentativa daquilo que já não deu certo no século 20?

FTS – Por tudo o que eu vi e conversei na Bolívia e na Venezuela, os experimentos que eles estão fazendo lá são totalmente diferentes do que foi o marxismo. Não se tem mais uma doutrina materialista da história, nem uma classe condutora da história, como o proletariado. Não se tem um partido que faz a história. Em vários encontros que tive com Evo Morales, perguntei por que o movimento se chama socialismo, mesmo sabendo o que foi a União Soviética. Ele disse ‘Socialismo para mim é o que eu vi a minha avó e minha mãe fazendo juntas na terra, tentando reconstruir as formas comunitárias e a solidariedade entre as pessoas que trabalhavam no campo’. O socialismo do século 21, na compreensão dele é, sobretudo, um socialismo de expansão e desenvolvimento de formas de cooperação e solidariedade.



GH - Morales e Chávez são acusados de não-democráticos. Como você enxerga essas críticas?

FTS - Isso depende do que cada pessoa entende por democracia. Se democracia é uma reunião de pessoas que falam baixo e que resolvem tudo dentro de salões atapetados, então, o que se passa na Bolívia e na Venezuela não é democracia. Acho que a questão central é: existem condições de expressão da vontade da maioria? Que condições essa pessoas têm para exprimirem seus anseios, suas aspirações? Isso tem sido respeitado? Se consideramos o conceito de cidadania ampliado, não bastam eleições regulares, diversidade de partidos e ampla imprensa para termos democracia na América Latina.



GH - Até quando Lula poderá ficar "em cima do muro" em relação a Chávez e seus aliados?

FTS - Eu acredito que o Lula tem sido bastante claro, e não tem ficado em cima do muro. Ele declarou publicamente o apoio dele à candidatura da Cristina Kirchner na Argentina. Ele tem levado um projeto integracionista e de apoio a essas lideranças. Ele afirma que, para o Brasil, não servem os experimentos que estão sendo feitos na Venezuela e na Bolívia, mas diz que não tem nada contra. Seria uma arrogância querermos ensinar à população venezuelana o que é melhor para ela. Votar a favor ou contra Chávez. Isso é de uma arrogância, de um etnocentrismo absurdo. Tanto que, quando os EUA tentaram dizer o que era melhor para o Iraque, as conseqüências foram muito duras.


GH - Chávez não estaria influenciando e tentando mostrar o que é melhor para outros países?

FTS - Convenhamos. A União Européia tem mil ações e missões atuando dentro do Brasil. Faz parte da política, como no caso do Chávez, doar combustível para pobres americanos. Ele não vai conseguir subverter o governo com alguns galões, mas não deixa de ser irônico. E, se os presidentes eleitos da Bolívia e Nicarágua pedem ajuda, não é influenciar. Faz parte do jogo. São estratégias de política de Estado.


GH - Os países vizinhos e o mundo não precisam temer o reaparelhamento das Forças Armadas da Venezuela?

FTS - Chávez tem um Exército de aproximadamente 100 mil homens. O grosso das compras são corvetas, fragatas e submarinos da Espanha; aviões de treinamento comprados no Brasil; 100 mil fuzis comprados na Rússia e fardamentos comprados da China. Então, primeiro, é preciso entender que não se compra arma em geral. Antes de comprar, você precisa ter uma doutrina e um cenário de guerra. Por isso, quando se analisa o conjunto das compras do Chávez, tudo parece defensivo, e não, ofensivo. Todo ano, os norte-americanos põem um porta-aviões em frente a Trinidad e Tobago, praticamente no litoral venezuelano, onde há petróleo. A sinalização de Chávez, com a compra de armas, é que, se houver uma invasão, haverá resistência. Acusá-lo de paranóico seria irresponsabilidade se fizermos uma retrospectiva. Nas últimas décadas, os Estados Unidos invadiram uma série de países ricos em petróleo.
A impressão é que Fidel alertou Chávez e Morales: "Façam o que puderem agora, que os EUA estão com os pés atolados no Iraque e não podem responder imediatamente". E eles realmente estão sem capacidade de intervenção direta e imediata na América Latina pela primeira vez em mais de cem anos.

23.11.07

Sigam-me os bons

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É rei espanhol, presidente colombiano, Congresso brasileiro, nação estadunidense e mais uma penca de encrencas. Desde 2 de fevereiro de 1999, quando adentrou o Palácio Miraflores, Hugo Rafael Chávez Frías tem agitado os nervos de muita gente. Militar do Partido Socialista Unido, nasceu em Sabaneta, no estado de Barinas, – provavelmente nem os venezuelanos saibam direito onde isso fica – e já virou pauta de muita reunião internacional.

Com 53 de idade, Chávez calcula que ainda tem cerca de 25 anos para comandar o petróleo e a política nacional. A revolução socialista que promove está avançando e pode dar um salto em dez dias, quando a reforma constitucional será votada pelo povo. Ao todo, 36 artigos serão acrescentados e outros 33 modificados – a Constituição Bolivariana de 1999 tem, ao todo, 350 artigos.

Ex-aliados de Chávez e especialistas prevêem a vitória governista no referendo de 2 de dezembro, quando os venezuelanos dirão “sim” ou “não” à reeleição infinita, entre outras mudanças. Segundo a imprensa local, muita gente não quer aprovar nada, mas simpatiza com o presidente. Para não contrariá-lo, se absterão, beneficiando os defensores da reforma.

Quem visitou Cuba recentemente afirma que as fotos e faixas saudando Chávez são comuns nas ruas de Havana e no interior da ilha. Tenta-se prenunciar o destino da Venezuela e acelerar o processo de socialização.

Apesar dos avanços políticos, acredito que a popularidade do aspirante a déspota vem se definhando na proporção em que seu discurso se radicaliza. Além de Fidel, Morales, Ortega e Mahmoud Ahmadinejad, não há muita guarida.

Por fim, ele se transformou no “Chapolin das Américas”. Apesar da auto-imagem – que tenta reproduzir – de herói, divisor de riquezas e salvador dos pobres, as performances são desastrosas, com atitudes que evidenciam um desequilíbrio ideológico e emocional. Mesmo assim, tenta resistir em tom sóbrio e austero.

Já está flertando com o ridículo. Só os correligionários ouvem atentos. O resto do mundo encara como banais os gritos, os desentendimentos e ameaças. Bom para Bush, Uribe, Bachelet e também para Lula, que pode ganhar ainda mais espaço e popularidade com sua “política de equilíbrio” (em cima do muro).

12.11.07

Breitenbach, aprenda como se escreve

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Inevitavelmente, costumo mudar o conceito que tenho de uma pessoa em duas situações. Primeira, quando conheço pessoalmente alguém célebre, que antes era mito e vira gente de carne e osso. Segunda, quando alguém que conheço há muito tempo e que fez parte do meu dia-a-dia torna-se personalidade pública.

Zilá Maria Breitenbach é um caso do segundo tipo. Foi professora, igual minha mãe, e administrou a cidade que nasci, no noroeste gaúcho, por oito anos. Agora é deputada e preside o PSDB do Estado.

Viúva, Zilá é dona da rádio AM mais ouvida em Três Passos e do jornalzinho semanal mais ajeitado da região. Certo que os dois veículos foram catalisadores de campanha e arrebanharam alguns dos 25 mil votos que ela recebeu em 2006. Entretanto, é inegável que a luz própria da professorinha parece brilhar cada vez mais.

A primeira vez que apertei teclas em urna eletrônica, digitei um seguro 45. Parecia a melhor alternativa. Nunca dialoguei com a chefe do Executivo local, mas era figurinha carimbada nos Jogos da Pátria, Blumenfest e Feira do Livro. Só me dei conta que ela voaria mais alto quando um funcionário do Ministério do Meio Ambiente de FHC soube localizar minha cidade no mapa.

- Claro, Zilá esteve em Brasília recebendo prêmio pelo trabalho que faz em Três Passos.

Foi um prenúncio. Se sua carreira política vai decolar, não sei. Mas parece que adentrou o Estado-Maior do Piratini. Vale a pena observá-la e aprender a escrever seu sobrenome.


Foto: Divulgação Palácio Piratini

8.11.07

Ele sabia, óbvio que sabia

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Como anunciado, voltei!

O texto de retorno do Polipoliticus foi ensaiado ontem. Já estava matutando em busca de exemplos para criticar o nosso "equilibrista do Circo das Américas", mas travei a língua na hora certa. Minha idéia era comparar Lula com aquele tipo de adúltero resistente. Pode flagrar ele nu, na cama com outra, que a negação é peremptória - como diria José Dirceu, que adora essa palavra.

O porquê da comparação, já explico. O gás natural liquefeito está escasso. A indústria com medo de investir, os taxistas arrependidos por terem implantado o kit gás e as termoelétricas paradas por falta de combustível. O que ele brada, cuspindo-se todo: “É só acontecer uma coisinha que já querem acabar com tudo. Eu garanto que há energia suficiente para esse país crescer até 2012”.

Como disse, pareceu-me um cafajeste profissional. Querendo esconder um elefante atrás de um poste. Mas ninguém contava com a cartinha na manga do paletó de grife. É óbvio que os executivos da Petrobrás sopraram na orelha de abano. A descoberta da reserva de petróleo imensurável no litoral paulista animou até moribundo. As ações preferenciais da petroleira, composta de capital misto, subiram mais de 16%.

Ontem, não deveriam passar de uma dúzia os sabedores da boa nova, incluindo ele, que bancou o profeta.


Foto: Divulgação do Palácio do Planalto

16.10.07

Voltaremos!

Olá,

Peço desculpas pela falta de postes. Há 24 dias estou vivendo e trabalhando em Bento Gonçalves. Ainda sem internet. Em breve, novos textos no Polipoliticus.

Abraços.

28.9.07

A Cruzada dos neopentecostais

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Cutucar o fígado da Rede Globo até a emissora cair do trono: meta estabelecida pelo papa eletrônico Edir Macedo. Alguém duvida que ele triunfará? Tendo Deus como principal sponsor tudo fica mais fácil. Ontem foi dia de lançamento da Record News, canal aberto de notícias 24 horas. Em questão de meses, o grupo comunicacional pastoreado pelo bispo famigerado arrematou uma porção de veículos no Rio Grande do Sul. A TV e a rádio Guaíba, o centenário Correio do Povo e a TV Pampa de Santa Maria foram as maiores aquisições dos investidores do Todo Poderoso.

Ainda em Santa Maria, os sacerdotes midiáticos flertam, em um negócio misterioso, com os donos de A Razão, jornal com mais de 70 anos de história e que já foi de Chateaubriant. Pediram o levantamento técnico do que vale a estrutura setuagenária e puseram jornalistas da TV Record na redação. Fala-se em parceria. Os antigos diretores continuam, mas mudanças estruturais na empresa comandada pela família De Grandi indicam que a negociação avança.

A imprensa, que tanto bateu na Igreja Universal, já está, em grande parte, na mão dos assistentes neopentecostais de Cristo. Eles pagam o salário de milhares de jornalistas e editam um número incontável de periódicos e noticiários. Em vez de combater, arrebanharam as ovelhas negras.

A Record News trouxe consigo a provocação mais direta que alguém já deve ter feito ao império Global. Fica um conselho do signatário deste blog ao conglomerado dos Marinho: não despertem a ira divina, “Amai aos vossos inimigos, e orai pelos que vos perseguem” (Mateus 5:55).

20.9.07

A saudade meridional

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Toda vez que cruzo o rio Uruguai e ando por ruas argentinas, tenho a impressão que voltei no tempo. Enxergo o Brasil de 1970, mesmo sem ter vivido esta década. Já cheguei a pensar que é proposital por parte deles. Parece que a nação governada por Kirchner não aceita a dura realidade econômica e os problemas sociais que lhes castiga hoje. Há uma saudade, apesar do vocábulo não constar no léxico castelhano.

A eleição vem chegando e tenho uma sugestão àquele que pretende ocupar a Casa Rosada. A promessa que garante a vitória é: “No meu primeiro dia de governo, colocarei todos em uma máquina do tempo e voltaremos a 1955. Darei férias eternas, no caribe, aos generais golpistas e vou garantir uma bolsa de estudos, em Hanói, ao garoto Carlos Menem”. Pronto, os tempos áureos, dos quais se orgulham e evocam frequentemente, estariam de volta.

Talvez ufanar-se do passado seja costume dessa gente do Sul do mundo. Essa dificuldade de apear do cavalo, de se resignar com a guaiaca vazia, de baixar a aba do chapéu é comum também no Rio Grande do Sul. Os últimos anos têm sido duros para a unidade federativa que já teve o maior Índice de Desenvolvimento Humano do Brasil.

Hoje é 20 de setembro, dia em que se comemora a tomada de Porto Alegre pelas tropas da Revolução Farroupilha em 1835. Chove em todo o Estado. O padroeiro dos gaúchos não acordou de bom humor e encharcou bombachas e vestidos. Nem assim perdeu-se a oportunidade de laçar o passado e fazer de conta que o Rio Grande ainda é pujante, rebelde e rico. O peão da indústria que faliu quer voltar a ser peão de estância. O caminhão do desfile quer se transformar em carroça. O piquete quer seguir cavalgando no final da avenida e declarar guerra.

Que drama! Encarar mais de R$ 17 bilhões de dívida pública não é fácil. Dificilmente as lanças, mosquetes e carabinas ajudariam.



Sou gaúcho forte, campeando vivo

Livre das iras da ambição funesta;

Tenho por teto do meu rancho a palha,

Por leito o pala, ao dormir a sesta.

Monto a cavalo, na garupa a mala,

Facão na cinta, lá vou eu mui concho;

E nas carreiras, quem me faz mau jogo?

Quem, atrevido, me pisou no poncho?

João Simões Lopes Neto



Fotos: 1) Gaúcho argentino do site http://www.oyitas.org.ar/; e 2) Batalha de Farrapos é um óleo de José Wasth Rodrigues que está na Pinacoteca Municipal de São Paulo.

13.9.07

E se fosse eu? (versão ilustrada)

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Colaboração do publicitário e ilustrador Sérgio Alberto Righi encomendada pelo Polipoliticus.

E se fosse eu?

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A empatia triunfou. Viva a solidariedade!

Ontem, foi dia de se imaginar na pele de Renan. A mídia esperneou, mas nada substitui o “pai crítico”, aquele corregedor interno e subjetivo, no pé do ouvido. Afinal, a secretária, a balconista, a sobrinha ou a colega poderia ter feito o mesmo que fez a jornalista. O Gonçalves e o Gonçalo, grandes companheiros, poderiam ser o Gontijo. A implicância poderia ter sido com as cabritas ou com as capivaras, em vez dos terneiros.

A auto-análise e a imagem que os senadores (aqueles que votaram contra a cassação) têm de si mesmos não lhes permitiu abrir o cadafalso. Quem absolveu o presidente do Senado ouviu o “pai crítico” (alguns o chamam de consciência) argumentar, lá das profundezas das notas frias e laranjadas: Aquele que nunca pecou que atire a primeira pedra. Quem é vossa excelência, malandro fino, para condenar seu par?

Para aqueles que votaram a favor da perda do mandato, restou uma dúvida:

O que é que vou dizer lá em casa?



Foto: www.anuleseuvoto.com (charge "ambiente de trabalho no Congresso")

1.9.07

Quem tem cargo tem medo

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Alguns ovacionaram a repórter Vera Magalhães pelo oportunismo (no bom sentido). Enquanto outros se puseram no lugar de Lewandowski, o ministro pilhado, repudiando a técnica utilizada na reportagem que rendeu manchete na Folha de São Paulo da última quinta-feira: "Tendência era amaciar para Dirceu", diz ministro do STF.

O ouvido atento da jornalista e a minuciosa descrição, com detalhes do cenário em que tudo aconteceu, não deixaram margens para que o magistrado do STF negasse o diálogo que a reportagem narra. Vera sabia muito bem da relevância das informações que ouvira e disse que se sentiu gratificada com a grande repercussão do texto.

A crítica do ombudsman do jornal, Mário Magalhães, apoiou a decisão da Folha em publicar a matéria. Segundo ele, o ministro exerce função pública, estava em um lugar público e as informações em jogo eram de legítimo interesse público.

Entretanto, Lewandowski não foi ouvido na apuração de Vera Magalhães. Fiquei imaginando o susto do ministro quando leu o jornal. Estampado no periódico de maior circulação nacional a marca do vinho que tomara e o clip que tocara às suas costas no restaurante em que estivera na noite anterior.

O outro lado só veio no dia seguinte. De uma extensa entrevista, destaco o trecho: "[No telefonema no restaurante] eu estava com a minha esposa, com quem sou casado há 30 anos. Nunca vi o Kakay [citado na matéria]. Informar o vinho que eu tomei, o que eu comi... Amanhã a imprensa estará fuçando no meu lixo para saber que tipo de remédio estou tomando. Se isso acontecer, é um país onde eu não quero viver e onde não gostaria que os meus filhos vivessem, em que a invasão de privacidade chega a este nível".

Quem delimita a vida pública e privada? Até onde se pode ir? Não consigo argumentos fortes para discordar do ombudsman, tampouco de Lewandowski. Só temos certeza de uma coisa: depois da última quinta-feira, tem gente em Brasília sussurrando até para pedir Coca-Coca.

23.8.07

Cores e texturas do desmonte

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Quem tiver cinco minutos e quiser ver algumas imagens registradas na tragédia peruana, pode clicar aqui. São 49 fotografias impressionantes tiradas desde o dia do terremoto, 15 de agosto. O recurso multimídia é oferecido pelo sítio na internet do jornal “El Comercio”. A foto acima foi feita por Lino Chipana, em Pisco, três dias depois do tremor mais forte.

22.8.07

Duro na queda

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Já se passaram três meses. E ele resistiu. Mas Renan ainda vai precisar de muita força e manobra política para se manter onde está. O novo relatório do caso Mônica/Gontijo/boiada já está sendo redigido e recomendará sua cassação. Entretanto, primeiro o relatório precisa ser aprovado em votação aberta, no Conselho de Ética, e depois em votação secreta no plenário do Senado. Dizem que Renan já conta perdida a primeira batalha, mas confia na decisão final, onde ninguém precisa mostrar a cara para livrá-lo do execramento.

Tentei descobrir o autor da charge, mas outra vez fico devendo os créditos. Se alguém reconhece a assinatura, por favor, deixe um comentário.

21.8.07

O Homem Vertical

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Esse é o título do documentário que está sendo produzido pelo estudante de economia e cineasta acidental, como costuma se apresentar, André Perfeito. Seu objetivo é tentar responder “como se faz política no Brasil”. Saiu gravando com grana do bolso (do pai) e coletou imagens de Roberto Jefferson, José Dirceu, entre outros famigerados.

Quem sabe você já ouviu falar de “O Homem Vertical”, que, antes de ser lançado, já resultou em blog no portal IG. Entretanto, se ainda não viu o teaser, vale a pena clicar na foto acima.

Destaque para a cueca imunda que Roberto Jefferson lava diante da câmera: “O caixa dois financia igreja, financia evento esportivo, financia o Carnaval. É uma espécie de jogo do bicho. A sociedade sabe que existe, mas é um mal menor”.

E, quem tem um tempinho sobrando, pode visitar os blogs de dois “homens verticais”:

Roberto Jefferson

José Dirceu




Foto: Jornal do Senado

20.8.07

Chacais da solidariedade

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O drama é enorme. Mortos, feridos, desabrigados, famintos, carentes de tudo o que se possa imaginar. Assim ficaram os habitantes do pedacinho do litoral peruano desmontado pelo terremoto da última quarta-feira. Entidades internacionais e outros países logo se dispuseram a ajudar. Quem pode mais deu dinheiro: Bento 16 abriu a mão e mandou US$ 200 mil, Bush liberou US$ 100 mil na primeira hora, os chineses US$ 300 mil, além de outros US$ 50 mil já enviados pela Cruz Vermelha. A ONU arrecadou US$ 1 milhão e a União Européia mais US$ 1,35 milhões para os peruanos. Os amigos mais pobres, como o Brasil, juntaram alimentos, cobertores, barracas, gente e o que mais tinham disponível para mandar à região atingida. Cinco dias depois do grande tremor, a ajuda humanitária já chega a 670 toneladas de suprimentos.

Parece que o mundo assumiu a responsabilidade de auxiliar o Peru, onde 60% da população são pobres. Entretanto, a comida, que chega de forma desordenada às vítimas, não vem investida só de amor e caridade. O caos instalado pelo abalo sísmico vem oportunizando a ação estratégica das forças políticas. Uma doação não deixa de ser demonstração de poder e superioridade. Mais: pode virar proselitismo. Hoje de manhã (segunda-feira) o presidente peruano, Alan Garcia, irritou-se ao saber que latas de alimentos estavam sendo entregues com etiquetas que identificam os doadores “Humala” e “Chávez” (presidente venezuelano). “Não é o momento de fazer propaganda eleitoral encima da tragédia humana. Deve-se levar ajuda sem lembretes”, frisou Garcia, que derrotou Ollanta Humala, em segundo turno, no ano passado.

Por aqui, o terremoto no departamento de Ica tem ocupado espaço em todos os veículos de comunicação de alcance nacional e regional. A tragédia parece estar sendo mais bem relatada pelos jornais impressos que pela televisão. Rodrigo Lopes, editor de Internacional de Zero Hora e enviado especial da RBS, vem publicando textos, em estilo quase literário, que emocionam pelos detalhes descritivos. A Folha de São Paulo mandou Raul Juste Lores, que situa muito bem o leitor, tanto histórica como geograficamente. As limitações de tempo na televisão parecem asfixiar as matérias da Globo. Ari Peixoto vem atropelando as palavras, quase sincopadas. Ademais, repete informações que os jornais impressos já publicaram há dois ou três dias.

O sítio na internet do jornal peruano El Comercio, editado em Lima, tem feito uma cobertura completa e em tempo real da catástrofe natural.




Foto: Televisa Internacional

14.8.07

Poder e atenção centralizados

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Não faltam informações sobre Hugo Chávez. Por onde anda, quem ele xinga, com quem se encontra... Porém, sinto um vazio na cobertura dos jornais brasileiros a respeito da Venezuela. Um país não se resume ao presidente. Nossa imprensa, a meu ver, está preocupada em emitir um juízo de valor. O leitor/ouvinte/espectador vê-se obrigado a tomar posição em questões que já perderam o contexto: o homem é, ou não, um ditador? Você é a favor ou contra Chávez?

Se alguém se dispõe a bancar, viajo amanhã para a República Bolivariana e alimento o Polipoliticus de lá. Quero saber o que realmente está mudando na vida do povo. Para a maioria, melhorou ou piorou? A que tipo de educação e assistência médica o pobre tem acesso? Que empresas privadas restam por lá? Que elas fazem ou pensam fazer com as mudanças no sistema? Quais as restrições de direitos civis e políticos aos cidadãos?

Reitero minha sugestão de link para saber um pouquinho sobre o país mais turbulento da América Latina. A versão online do jornal El Universal critica Chávez, mas o reconhece como presidente legítimo. Aqui você tem a opinião do Presidente da Associação de Imprensa de Madrid sobre o caso da RCTV e aqui você confere a galeria de fotos da inauguração de um viaduto, construído pelo governo, que liga Caracas ao litoral.

27.7.07

O mundo gira, gira...

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Nelson Jobim não tem nada de louco, sabe que pior não ficará. A crise geral no sistema aeroviário chegou ao fundo do poço. Só aceitou o convite – depois de fazer charme – porque percebeu a fragilidade que abate o Planalto. Nosso cocheiro-chefe, de rédeas frouxas, acabou abrindo espaço para uma mão firme, uma voz austera. O novo ministro da Defesa já mostrou que diz aquilo que Lula, o bonzinho, não tem coragem de dizer. Na posse, sentenciou: “Se você errou, não peça desculpas, não se arrependa, não diga nada. Aja, ou saia. Faça, ou vá embora”. No lugar de Waldir Pires, qualquer um teria ruborizado.

Em março deste ano, o ex-ministro da Justiça de FHC foi forçado a jogar a toalha na disputa com Michel Temer pela presidência do PMDB. Viu suas chances de se candidatar ao Planalto diluídas. Nunca esperou que o mundo girasse e montasse essa situação. Com a habilidade e seriedade que tem demonstrado na gestão da crise, a grua em que Jobim subiu em Congonhas pode levá-lo ao palanque (veja a galeria de fotos da Folha Online).

O ex-presidente do STF não precisa fazer currículo. Fez mais do que assumir um cargo, sabe que pode estar em um trampolim. Pôs capacete e máscara, atravessou caminhando a Avenida Washington Luís e foi conferir de perto o palco do drama que desestabilizou a nação. Jobim subiu em ruínas para ver escombros, e foi visto por milhões de leitores e expectadores da mídia, que tem demonstrado competência (apesar da esquizofrenia). A conjuntura promete render popularidade àquele que administrar o caos.

Todos sabem que o novo ministro era candidato declarado para 2010 há poucos meses. Como teria sido a negociação com Lula? Que propostas e contrapropostas teriam surgido nas três vezes em que foi convidado para segurar o abacaxi do governo?

26.7.07

López Obrador e a caravana proselitista

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Há uma semana, tive a oportunidade de ouvir Beatriz Rajland, pesquisadora social na área de Direito Político e professora da Universidade de Buenos Aires (UBA), sobre a atual situação política mexicana. Mais especificamente, sobre as movimentações articuladas pelo candidato derrotado nas últimas eleições presidenciais, Andrés Manuel López Obrador, também conhecido pela sigla AMLO. A derrota nas urnas, por aproximadamente 200 mil votos, em 2006, não foi reconhecida pelo candidato, que se auto-intitula “presidente legítimo”. Desde que anunciada oficialmente a vitória de Felipe Calderón (PAN), Obrador iniciou uma marcha pelo território nacional com caráter proselitista. A agenda e informações sobre o movimento podem ser acompanhadas por meio do sítio oficial na internet.

Rajland visitou recentemente a cidade de Puebla e o Distrito Federal mexicano e se diz surpreendida com o fenômeno que constatou. “Observamos, em AMLO, um processo inverso ao de institucionalização. Depois de deixar o cargo de prefeito da Cidade do México, López Obrador reuniu as forças do PRD (Partido da Revolução Democrática) para a campanha presidencial, e agora se integra aos movimentos sociais de base. Ele visita Estado por Estado para debater com o povo mexicano em grandes reuniões. Ou seja, um caminho neste sentido: Estado – partido político – movimentos sociais”, conclui Rajland, que define Obrador como populista. Sobre a polêmica eleição, a docente argentina é enfática, “Ninguém ganha por uma diferença de 0,5%. Seguramente houve fraude”.

Concretamente, o que se pode afirmar é que AMLO tem conquistado aliados e vem se confirmando como uma força não-eventual de esquerda. Depois de romper com os setores empresariais que o apoiaram na eleição, demonstra uma radicalização no discurso. Sua postura resultou em algumas baixas, mas também cooptou esquerdistas e até membros do movimento zapatista, de tendências anarquistas. Marcos [principal porta-voz zapatista] afirmou, no ano passado, que aqueles que apoiassem Obrador deveriam deixar o movimento. Alguns migraram, outros se mantêm em ambos.

Sobre as conseqüências da movimentação política de López Obrador, Rajland não prevê efeitos imediatos. “Se as eleições estivessem próximas, poderíamos esperar algo, mas Calderón ainda tem cinco anos e meio de mandato [no México são seis anos]”. Não obstante, convém prestarmos atenção à mobilização crescente dos mexicanos, já que o país mostra-se dividido, tanto política com economicamente. Enquanto a renda per capita anual dos Estados de Monterrey e Leon (norte) é de US$ 15 mil, em Chiapas (sul), não passa de US$ 2 mil. Reduto zapatista, Chiapas é um dos Estados mais pobres, junto de Oaxaca e Yucatán. Cerca de 42% da população é indígena e a taxa de analfabetismo chega a 23%.

Enfim, o México apresenta um cenário que urge por transformações sociais. Entretanto, Calderón vem priorizando a segurança e o combate ao narcotráfico, deixando os projetos sociais em segundo plano. Diante do quadro, López Obrador vê sua militância engrossar e a força crescer. A foto abaixo confirma que ele não está sozinho quando questiona a legitimidade do presidente em exercício.







Fotos: Sítio de divulgação do movimento AMLO (www.amlo.org.mx)

23.7.07

Que é peronismo?

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Provavelmente poucos se atrevem a responder imediatamente. Nem mesmo as explicações complexas da academia argentina dão conta de esgotar esse fenômeno político-social-histórico que permeia o país desde 1944. Foi nesse ano que o coronel Juan Domingo Perón, um dos líderes do regime militar implantado em junho de 1943, começa a se destacar como diretor do Departamento Nacional do Trabalho. Um posto que lhe rendeu uma popularidade ímpar e possibilitou sua eleição em 1944, com a redemocratização da Argentina. Foi a gênese de um processo que dividiu o país em ANTES e DEPOIS de Perón.

O regime implantado sob o comando do novo presidente em 1946 tinha suas idiossincrasias. Perón sustentava amplo apoio da massa operária e tentava estabelecer um cenário unânime, sem oposição, sem pluralismo. O primeiro mandato (1946 – 1950) seguiu a fórmula de “Comunidade Organizada” que consistia em uma união policlassista sob os olhos do governo, na qual o Estado operava como intermediário na relação entre a organização dos empresários e a central sindical. Já o segundo mandato, para o qual se reelegeu em 1950, foi interrompido em 1952 pela Revolução Libertadora, organizada pelas forças armadas e setores civis opositores (partidos menores e Igreja Católica). Lá foi Perón para o exílio do qual voltaria somente em junho de 1973.

Ao retornar, Perón concorre ao lado de Isabel, sua segunda esposa, e vence mais um pleito. Mas a Argentina não era mais a mesma, nem o peronismo, que se encontrava dividido entre direita e esquerda. Burocratas sindicais representavam os destros, enquanto a Juventude Peronista conformava os blocos canhotos, revolucionários, socialistas, guerrilheiros. O retorno do grande líder – em 20 de junho de 1973, no aeroporto de Ezeiza, em Buenos Aires – revelou o clima interno do movimento. Os setores opostos lutaram por espaços próximos ao palco em que discursaria o "pai adorado". O empurra-empurra se transformou em troca de tiros que resultou em aproximadamente 13 mortos e 365 feridos. Uma situação contraditória e paradoxal. Todos peronistas, mas inimigos políticos. A ruptura no movimento se mostrou irreversível e, ademais, recrudesceu com o passar do tempo. O grande líder, já debilitado fisicamente, morreu menos de um ano depois, transformando-se em mito.

E hoje, quem são os peronistas? A grande maioria dos atores políticos de relevância na Argentina é do Partido Justicialista (PJ), fundado por Juan Perón em 1946. Entretanto, muitos são opositores entre si e brigam pela herança (popularidade e votos) do casal eternizado no imaginário coletivo (Perón e Evita). Cada corrente faz a sua interpretação do movimento, o que resulta em direitistas e esquerdistas que se dizem peronistas, tal qual na década de 1970. A falta de consenso é tão grande que em 2003 a Justiça permitiu que três candidatos concorressem à Presidência argentina pelo partido P A R T I D O. O ex-ministro da economia do atual governo e candidato a presidente Eduardo Lavagna é peronista, Menem é peronista, Kirchner e Cristina também são. Não se entendem nem para eleger a direção do PJ, que está sob intervenção judicial desde 2005, muito menos para escolher um candidato único ao pleito presidencial de outubro.

A idéia do grande líder carismático e populista era simples: A Argentina deve ser peronista. Patrões e empregados, liberais e comunistas, jovens e velhos, torcedores do Boca e do River. Com esse intuito, Perón, orador hábil e eloqüente, dirigia seus discursos para todos. A ambigüidade e amplitude de suas posturas permitiram que arrebanhasse uma enorme parte da nação. Para ele, quem era antiperonista era antipátria.

Obviamente, não deu certo. Uma democracia não pode e não deve ser unânime, a oposição é salutar e o pluralismo de forças e opiniões é bem-vindo em um regime que respeita a liberdade civil e política. Os descontentes precisam ter vez para bradar, chance para opinar. Se não, estouram de forma menos civilizada.




Foto: Wikipédia

13.7.07

Medalha de Ouro

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Pronto, Renan! Comemores, já podes respirar aliviado. Chegou o teu redentor. Não é a nova maravilha do mundo, mas também é carioca. Os Jogos Pan-Americanos do Rio começaram com tudo. Fogos, show, gafe, vaias e tudo mais que possa atrair câmeras, microfones e a atenção do Brasil.

A tocha correu pelas mãos de muitos campeões olímpicos. Gente que corre, nada, salta, luta... Mas nenhum com a tua resistência. Não há fundista nem pugilista com teu fôlego e força. De nada serviram os cruzados, ganchos e diretos da imprensa. As fechadas e tiros da oposição te acertaram, mas estás em pé.

Viste inúmeros cortes no time do Conselho. Foram membros comuns, relatores e um presidente jogando a toalha. Mesmo com a desistência do companheiro Roriz, menos preparado, seguiste impávido. Mataste no cansaço alguns e intimidastes outros com tua pujança. E a equipe de revezamento do “3 x relatório” segue sem enxergar a linha de chegada.

Eu até apostaria que o “homem” foi vaiado, de modo constrangedor, na cerimônia de abertura porque não te rendeu homenagens.


Parabéns, Renan! Nosso polivalente campeão.



10.7.07

Mais um chiste sujo

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Outra dica do amigo e colega Augusto Paim. A charge é assinada por Ronaldo, que também é autor do quadro da postagem anterior.

6.7.07

O problema é de todos!

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Mais uma manifestação inteligente, não violenta, que mostra a indigação dos representados. Não consegui identificar o autor, mas vale a mensagem, o brado silencioso de protesto ante os representantes do mau, do nojo, da hipocrisia, do fisiologismo político, da mais pura sacanagem pública.

A imprensa parece estar engajada e determinada a assumir o posto de cão-de-guarda e fiscal do Estado. Sem embargo, cabe a todos nós, cidadãos, comprar essa briga. Estes digníssimos senhores não passam de funcionários contratados pelos eleitores para administrar com bom senso e reponsabilidade esta terra de desgraças copiosas.


Pra frente Brasil! Pra trás malandragem!

1.7.07

Convocação


Convoco a todos, cidadãos inescrupulosos, jornalistas maquiavélicos, pessoas de má fé, a nos compadecer e pedir perdão a este nobre homem, de tão pura humildade.

Devemos nos envergonhar. Não passamos de carrascos sem alma, algozes querendo estraçalhar a carreira pública deste sensível senador.

Se você duvidou em algum momento da integridade ética e moral deste senhor, assista ao vídeo acima e reze cinco Atos de Contrição.

Eu vejo e não morro tudo!

Pra frente Brasil! Pra trás malandragem!

28.6.07

Nada TEMERário

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Ao meio-dia de hoje (quinta-feira), o deputado federal Michel Temer, presidente nacional do PMDB, esteve palestrando na Assembléia Legislativa do Estado do Tocantins. O pseudofato que serviu de escusa para a movimentação na capital nortista foi a inauguração da nova sede do diretório estadual do partido.

Temer iniciou seu discurso louvando o público que lotou o salão de eventos:

- "Com a devida licença das autoridades presentes, gostaria de saudar em primeiro lugar a maior autoridade desta Casa, a autoridade máxima, que está acima de todos nós: o povo".

E assim seguiu falando em tom didático sobre a reforma política, com um viés implicitamente a favor da cláusula de barreira (que extinguiria os mini-partidos) e da lista fechada, derrotada ontem à noite em votação na Câmara dos Deputados. Porém, curiosamente, sua posição inverteu-se em relação à lista. O PMDB, que antes defendia o sistema derrotado em plenário, guinou. O presidente do partido disse que é direito do povo escolher quem será seu representante e que os partidos e o sistema político brasileiro ainda não estão preparados para enfrentar o sistema proposto. O discurso soa como uma adequação às circunstâncias, já que a idéia defendida anteriormente foi rejeitada.

Michel Temer viajou ao Paraná ainda de tarde e depois deve seguir para Santa Catarina e Goiás. Alegando falta de tempo, concedeu uma rápida entrevista coletiva. Às duas perguntas formuladas pelo Polipoliticus, o deputado deu respostas curtas, mas incisavas:


Polipoliticus: Como o senhor vê a especulação sobre a possível cooptação de Aécio Neves para uma candidatura à presidência em 2010 pelo PMDB?

Michel Temer: Isso é o futuro que vai dizer. Eu acho que nós precisamos pensar nas eleições municipais. Depois é que nós vamos examinar esse tema. O que eu tenho dito, e reitero, é que o PMDB tem de lançar um candidato à presidência da República. O nome do governador Aécio Neves é um nome... [ele] saiu do PMDB, não é... E é um nome muito bem visto pelos companheiros.

P: Se o senhor estivesse no lugar do senador Renan Calheiros, ainda estaria na presidência do Congresso?

M: Eu não estou no lugar do senador Renan Calheiros.

P: Mas se estivesse?


... Lá se foi Temer, calado, nada temerário. Virou de costas e encerrou a coletiva. Evitou qualquer palavra que o comprometesse, assim como o governador do Tocantins Marcelo Miranda, deputados e senadores que discursaram no evento. Ninguém tocou no assunto que incendeia o Senado.

Renan Calheiros, do PMDB alagoano, está constrangendo inclusive os companheiros de sigla. Até quando suportará?



Foto: Agência Brasil

26.6.07

A teoria foquista de Che Guevara

Acima, tu dispões de imagens do comandante revolucionário Ernesto Guevara de la Serna entre seu exército. A narração do vídeo traz um pouco das idéias de “Che” sobre estratégias de guerrilha e ajuda a entender a teoria foquista, que influenciou os revolucionários da América Latina nas décadas de 1960 e 1970. Entre eles, o brasileiro Carlos Lamarca, morto em 1971, a quem foi concedida a patente de coronel do Exército brasileiro há duas semanas.

Aplicada com sucesso a partir de Sierra Maestra, na ilha de Cuba, em 1959, a teoria foquista originou-se de outra, formulada pelo francês Louis-Auguste Blanqui, rebelde morto em 1881. A base das estratégias de Che Guevara consistia em atrair e concentrar as massas camponesas em um ponto-chave. E, a partir daí, desencadear a insurreição armada sem preparação política. Para ele, as transformações radicais e aceleradas não são, nem podem ser, maduras e previstas cientificamente com detalhes. A revolução acontece por efeito de paixões e de improvisação dos homens. Guevara argumentava que, se fossem preparadas com antecedência, em pontos ideais, não serviram, pois não se adaptariam ao momento e à realidade do combate.

Indo ao encontro das idéias de Mão Tse Tung, a teoria foquista via no estado moral das tropas um fator praticamente decisivo. Os combatentes encontravam-se em uma condição de intercomplementaridade dos sentidos ético e heróico, já que lutavam convictos do senso de justiça que envolvia a causa.

Depois de lutar em Cuba e participar do governo Fidel Castro, Guevara foi à África, não logrou êxito na guerrilha do Congo, voltou à América Latina e organizou um foco de revolução socialista na Bolívia. Acabou executado em 9 de outubro de 1967 pelo exército boliviano com o especulado auxílio da CIA.

22.6.07

Inacreditável e insustentável

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Creio que o mais aberrante já não sejam as vacas hiper-férteis de Renan ou se a Mendes Júnior pagava os custos de sua aventura extraconjugal. O mais grave, a meu ver, neste circo que se armou no poder Legislativo é a fragilidade da instituição Senado. Que palhaçada é essa? Comissão de Ética presidida por um frouxo que gagueja e sequer foi eleito. Sebastião Machado Oliveira (SIBÁrbaridade) chegou ao Senado sem receber um voto. Mas como assim? Pasmem, Sibá(rbaridade) foi indicado pela militância petista à suplência da senadora Marina Silva, que ocupa o cargo de ministra do Meio Ambiente. Ele já integra o Senado desde quatro de fevereiro de 2003.

Nascido no Piauí, Sibá(rbaridade) morou no Pará antes de ir para o Acre, em 1986. Ele acabou na meia esfera côncava do Congresso por vias legais, porém questionáveis em termos de legitimidade. Na verdade, os únicos cargos que ocupou sustentado pelo voto foram (a) Presidente da CUT (1991 e 1994) e (b) Presidente do PT do Acre (2001). Já disputou eleições para deputado federal (1994), prefeito da cidade acreana de Plácido de Castro (1996) e deputado estadual (1998). Nunca venceu. É um suplente de carteirinha.

Falando sério, o senador possui um mínimo de representatividade, um tantinho de coragem e nada de competência para conduzir as atividades do Conselho de Ética e Decoro Parlamentar. Seu prestígio entre os pares é tão débil que não consegue nomear um relator estável para tocar adiante o caso Calheiros. São 15 integrantes titulares da Comissão e mais 15 suplentes, nenhum assume para si a responsabilidade. A relatoria é desgastante politicamente, com certeza. Independente da posição que se tome, quem aceitar o posto sofrerá represálias. Com um presidente do calibre de Sibá Machado, o caos e a esquiva devem continuar predominando na Comissão.


Pra frente Brasil! Pra trás malandragem!

19.6.07

Pergunta certa, pessoa errada


- Hola. ¿Con permiso, puedo hacerte una pregunta? ¿Adonde fue asesinado el presidente Allende?

Uma curiosidade compreensível de um turista encantando com os ares históricos que se respira pelas veredas de La Moneda, uma questão absolutamente normal, se o cidadão indagado não fosse um carabineiro, membro da guarda oficial do palácio.

La Moneda, construído originalmente para cunhar moedas ainda em épocas coloniais, é sede do governo chileno desde 1845. Em 1973, as forças armadas chilenas, auxiliadas pelos Carabineiros do Chile (polícia unificada do país) e por estrangeiros intrometidos arrebentaram parte das dependências que abrigavam o alto escalão administrativo de Salvador Allende. O poder foi tomado a bala. Mesmo encurralado ao lado de companheiros, os relatos históricos afirmam que o presidente eleito, que desencadeava uma reforma socialista, resistiu durante seis horas. Com capacete de mineiro e empunhando uma submetralhadora presenteada por Fidel Castro, desfaleceu ao ser alvejado pelos invasores golpistas, que justificavam o ato com argumentos de segurança nacional.

Eu, que não me dera conta da incompatibilidade da pergunta com o interlocutor, somente ouvi uma correção discursiva:

- Él no fue asesinado, señor. Allende se suicido.

A versão oficial dos setores que depuseram o ex-presidente é de suicídio. No vídeo acima, tu podes ouvir Augusto Pinochet anunciando a tomada do poder pela junta militar em 11 de setembro de 1973.

13.6.07

Água para quem tem sede

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O conteúdo é sobre política e dirigido para políticos. Pouco usual, mas bastante instrutivo. O sítio é editado pelo cientista político Francisco Ferraz, analista e consultor para campanhas eleitorais. Ferraz já foi reitor da Universidade Federal do Rio Grande do Sul e, para alimentar o Política para Políticos, conta com uma equipe de três doutores e um doutourando em ciência política, além de um editor-jornalista.


Competente em sua proposta, o sítio oferece aos políticos brasileiros conhecimento prático e útil na atividade profissional e na carreira pública. São notícias da esfera do poder, informações sobre marketing, oratória, campanha, legislação e glossários que esclarecem conceitos técnicos, próprios do politiquês, nem sempre compreendidos por quem os utiliza.


Parece-me que Ferraz e seu time prestam um serviço à democracia e ao sistema político nacional. Se você tem algum governante ou assessor político em sua lista de e-mails, vale a pena repassar o link. Afinal, entre tanto descrédito e má-fé, há representantes que se encaixam no público-alvo do sítio, aqueles que “fazem da vida política uma vocação, do serviço público uma carreira e do pleno exercício da cidadania uma responsabilidade cívica”.

3.6.07

Construindo o Brasil

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É surpreendente o espírito politizado do setor de construção civil brasileiro. Elogiável a postura participativa no regime democrático e o engajamento no processo de escolha dos digníssimos senhores que representam os eleitores no Congresso. Nas últimas eleições, as construtoras doaram oficialmente R$ 27 milhões para campanhas de candidatos à Câmara e ao Senado. Conseguiram eleger 285 dos 513 deputados e 40 dos 81 senadores.

A boa vontade para com o desenvolvimento político e econômico do país é tão grande que as grandes empreiteiras (Camargo Correa, Odebrecht, Mendes Jr., Gautama, Barbosa Mello, OAS...) sempre oferecem seus serviços a custos mais leves aos cofres públicos. Portanto, vencem uma infinidade de licitações.

E viva o Brasil, país das coincidências. Quiçá, qualquer dia uma delas ocorra contigo. Teu avô pode ganhar mil vezes na loteria, o cofre do teu sogro pode aparecer cheio de dinheiro, ou teu pai pode ter um amigo muito camarada que pague tuas despesas e o aluguel da tua mãe.

“Eu vejo e não morro tudo”.

1.6.07

¿Respuesta definitiva?

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À meia-noite do último domingo, o canal venezuelano de televisão RCTV (Radio Caracas Televisión) foi retirado do ar por impedimento arbitrário do presidente venezuelano Hugo Chávez. O “Chapolin petroleiro” negou-se a renovar a concessão, afirmando que a emissora apoiara o golpe de Estado que tentou depor seu governo em 2002. A imprensa mundial sentiu-se ferida e bradou, quase ignorando os pressupostos da imparcialidade e neutralidade. Construiu um discurso fundamentado na defesa da democracia e da liberdade de expressão, rechaçando a atitude do aspirante a ditador. Indo ao encontro dessa postura, o Polipoliticus acredita que a pluralidade de vozes, no âmbito midiático, é salutar à democracia e enxerga o fechamento da RCTV com preocupação.

Em função da dinâmica temporal e estrutural deste blog, opto por não publicar nada factual sobre o episódio, que pode ser bem compreendido através dos veículos da grande imprensa. Entretanto, acredito que seja pertinente discorrer um pouco sobre a RCTV. Quem comanda a emissora? Que interesses representa? Qual é sua história?

Fundada por William H. Phelps, venezuelano filho de um estadunidense, a RCTV foi o terceiro canal de televisão da Venezuela, entrando no ar em 15 de novembro de 1953. Foi pioneiro em transmissões esportivas, jornalísticas e de entretenimento. Mostrou, ao vivo, a chegada do homem à Lua e, na década de 80, exibiu inúmeras telenovelas que lhe asseguraram liderança de audiência. Recentemente, a partir de 2000, o foco mudara para os reality shows e para o “¿Quién quiere ser millonario?”, a versão venezuelana do “Show do Milhão”. Carro-chefe do canal, o programa de auditório era conduzido pelo presidente da emissora Eladio Lárez, celebridade nacional e criador do bordão da moda no país de Chávez: “¿respuesta definitiva?” (era o ultimato aos participantes equivalente ao “Posso perguntar?”, de Sílvio Santos).

A RCTV empregava cerca de 3 mil funcionários e pertencia ao Centro Corporativo 1BC, uma corporação dona de outros empreendimentos no ramo de comunicações dirigida, a partir de Caracas, por Marcel Granier. Entre as empresas do grupo estão: o provedor de internet “Eterno”; a cadeia de rádio “92.9 tu FM”; a gravadora “Sonográfica”; a “Recordland”, loja de discos, vídeos e ingressos para shows; o portal de Internet “Radionet”, e a “FonoVideo”, produtora de novelas sediada em Miami.

As principais concorrentes da Radio Caracas Televisión eram a Globovisión – de alcance limitado à Caracas e Valencia –, a Televén e a Venevisión. Esta última pertencente ao terceiro homem mais rico da América Latina, Gustavo Cisneros, dono de uma fortuna avaliada em U$ 6 bilhões. O magnata comandou a articulação da derrubada de Chávez em 2002, mas, surpreendentemente, foi cooptado pelo inimigo e hoje defende o governo. Especula-se que os U$ 163 milhões anuais correspondentes às cotas de publicidade da RCTV migrarão para a Venevisión, consequentemente, para os bolsos de Cisneros e seus sócios.

Por fim, estou convicto de que a sociedade venezuelana perdeu um meio de crítica, opinião e representação. Não se pode negar que era dirigida por interesses coorporativos, sem embargo, a RCTV colaborava para a “construção da realidade” a partir do seu ângulo, oposto ao chavista. E, como sabemos, a pluralidade de versões e pontos de vista é benéfica à interpretação dos fatos.




26.5.07

No vácuo do etanol e do biodiesel

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Foram dois dias de visita oficial ao Paraguai. O presidente brasileiro encontrou-se com Nicanor Duarte no domingo (20) e na segunda-feira (21), quando assinaram acordos de defesa nacional, incentivo aos biocombustíves e controle da febre aftosa. Lula ainda levou a tiracolo uma patota de empresários com o selo de “prováveis investidores”, na tentativa de demonstrar boa vontade da nossa parte. Entretanto, a recepção da imprensa e do povo paraguaio não foi, exatamente, cordial. Mordidos com a história de Itaipu e desconfiados em relação aos “brasiguaios”, os jornais externaram um descontento geral para com as relações políticas e econômicas que se estabelecem entre Brasil e Paraguai.

No que toca à usina, o desconforto é gerado pela dívida paraguaia com o estado brasileiro – que se arrasta desde a construção, em 1974 – e pelos termos do contrato que regulamenta o funcionamento da hidrelétrica binacional. O Tratado de Itaipu garante metade da energia produzida para cada uma das nações, sendo que o excedente não pode ser vendido a terceiros e deve ser cedido ao país parceiro pelo preço de custo. Como o Paraguai supre 95% de sua demanda com apenas 15% da produção de Itaipu, o Brasil compra os 35% excedentes por um preço abaixo do mercado. Enfim, se vendesse a energia elétrica à Argentina, como se cogita sub-repticiamente, o Paraguai geraria uma considerável receita extra. Sobre a dívida, já há acordos que beneficiam nossos vizinhos, porém Lula adiantou que não se deve mexer no contrato de utilização da energia, sob risco de estremecer a boa relação diplomática entre os dois países.

No caso dos “brasiguaios”, a hostilidade é maior. Fixados ilegalmente na região fronteiriça do Paraguai, cerca de 500 mil brasileiros (equivalente a 8% da população paraguaia) plantam em terras adquiridas principalmente depois da construção de Itaipu. A animosidade dos paraguaios nativos já resultou em enfrentamentos, imóveis incendiados e inúmeras atitudes discriminatórias. O próprio estado paraguaio já ameaçou expulsar os brasileiros instalados na região de fronteira, onde a venda de terras a estrangeiros é proibida pela constituição.

Os números do intercâmbio comercial entre os dois países acentuam a desproporção da relação bilateral. O Paraguai representou 0,9% das exportações brasileiras e só 0,32% do total das importações. Mais concretamente, o Brasil vendeu ao Paraguai US$ 1,2 bilhão e comprou US$ 295 milhões. Ou seja, nesse caso, somos “cachorro grande” e é difícil convencê-los de que não têm motivos para nos chamar de “imperialistas e exploradores”, como fez o periódico ABC Color no dia em que Lula chegou a Assunção.

Entretanto, mesmo sob pressão, o mandatário brasileiro não arredou o pé na questão do contrato de Itaipu, tampouco considerou o assunto digno de diálogo. Nosso administrador-mor, que se diz defensor dos membros mais pobres do Mercosul, parece que encontrou uma boa estratégia de projeção política na turbulenta América do Sul. Percebe-se o início de uma guerra de influências entre Lula e Chávez no continente. De forma sutil e implícita, a discussão sobre matriz energética têm evidenciado o presidente brasileiro, defensor dos biocombustíveis, e angustiado o venezuelano, déspota petroleiro.

Dia 27 de abril, Lula firmou com o Chile um acordo para a produção de biocombustíveis similar ao que assinou na visita ao Paraguai. Ademais, ofereceu à Bolívia um pacote de investimento que incluem a construção de uma planta de biodiesel. Enfim, vem tentando pegar o vácuo do etanol e do biodiesel para afirmar-se como liderança no continente, pondo-se, mesmo que discretamente, do lado oposto ao de Hugo Chávez. O conflito de interesses está declarado, restando-nos esperar quem será o primeiro a romper a cordialidade.







Mea culpa
É inegável. Mutatis mutandis, o Brasil estabelece uma relação de imperialismo para com os países menos expressivos economicamente. Alteram-se os papéis e as proporções, mas a lógica é a mesma da nossa relação com o “perverso império yankee”: favorecer-se do mercado consumidor e da produção de um país menos desenvolvido para potencializar o crescimento econômico nacional.

Pimenta nos olhos dos outros é colírio, mas é difícil reconhecer-mos que, eventualmente, também nos prestamos ao papel de vilão do sistema.


Fotos: Agência Brasil (Lula e Nicanor Duarte) e sopabrasiguaia.com (usina)

19.5.07

Ciro, um socialista entre os 20, 21...

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Na manhã de ontem (sexta-feira), foi reinaugurado, em Palmas, o PSB (Partido Socialista Brasileiro) do Estado do Tocantins. Um time de políticos e autoridades lotou o palco e a mesa oficial do evento. Foram tantos deputados, secretários de Não-Sei-Quem, Ex-Isso e Ex-Aquilo, que faltou espaço. Até Ariano Suassuna, o Forest Gump brasileiro, teve de fazer sua graça. O autor e militante do PSB, que estava em Palmas como convidado do Salão do Livro, não resistiu a um breve discurso para contar mais algumas “incríveis histórias de sua incomparável vida”.

Entretanto, a atração principal foi Ciro Gomes. Depois de discursar, o deputado concedeu uma entrevista exclusiva ao Polipoliticus sobre política latino-americana e sua possível candidatura à presidência em 2010. Abaixo, tu podes ler a conversa improvisada no camarim do palco, enquanto Ciro “restabelecia o nível de nicotina no sangue”, como brincou.





Polipoliticus: Sendo membro do Partido Socialista Brasileiro (PSB), como o senhor enxerga esse avanço do Socialismo do Século XXI, promovido pelas lideranças do esquerdismo latino-americano?

Ciro Gomes: Acho que ali há um punhado de valores corretos e um imenso vazio doutrinário. Vejo com preocupação, porque os valores corretos podem ser mal versados, mais uma vez. Muito por interdição e estupidez internacional e muito também pelas exigüidades concretas do dia-a-dia. Eu quero falar concretamente: você ter de volta o resgate da defesa do interesse nacional nesses tempos é absolutamente fundamental. O Lula, por exemplo, defende o interesse nacional, e isso não é por goela. O Brasil trabalhava em déficit em transações com o estrangeiro e sempre precisava ser o bom moço internacional: três acordos com o FMI, os três maiores da história. E hoje nós temos superávits em transações com o estrangeiro e temos maiores volumes de reservas. Isso restaura modernamente a nossa soberania. Já no caso da Bolívia, se pratica esse valor fundamental da defesa do interesse nacional de uma forma diferente. Mas eu percebo no Evo Morales, Chávez, homens honestamente defensores do interesse nacional de suas respectivas nações.

Depois você tem a questão da defesa de uma economia mista. Uma economia que respeitando o protagonismo ou a parceria da iniciativa privada, não dispensa, pelas iniqüidades dramáticas, a presença do Estado. Isto é um valor correto, que deve ser recuperado de forma desimpedida dessa interdição ideológica que o neoliberalismo e sua propaganda quiseram impor e que já fizeram um grande mal ao Brasil.

E por fim essa solidariedade com o pobre. Isso não deixou de ser um valor a ser perseguido obstinadamente, que está embutido na idéia do socialismo. Como fazê-lo, dadas as intrincadas alterações que a tecnologia, as comunicações e o imbricamento das economias nacionais, no espaço global, impuseram? Nesse padrão deletério de consumo que está destruindo o planeta, isso tudo exige o que falta nessas experiências (de Chávez e Morales): imaginação. Imaginação e uma aposta de que isso não é esforço para ser bem executado por déspotas esclarecidos. Isso há de ser, antes de mais nada, o esforço de qualificação das bases em que se organizam as nossas comunidades nacionais.



P: Levando isso em conta, sua postura em relação às movimentações políticas de Hugo Chávez e Evo Morales, no que toca à questão da nacionalização dos hidrocarbonetos, seria diferente da postura que tomou o presidente Lula?

CG: Não. Pelo contrário. Eu acho que o Lula tem muito mais argúcia e vem perseguindo com muito mais efetividade esses valores, do que esses outros experimentos. No caso do Evo Morales, eu faço uma distinção: ele erra totalmente na forma – falta, na minha opinião, conteúdo –, mas a Bolívia tinha todo o direito de corrigir essa distorção espoliadora que se lhe fez o Brasil, inclusive, em outros tempos, de suas únicas riquezas. Não há dúvida disso para mim. A forma de fazer é que, definitivamente, não é correta.



P: Em relação ao Mercosul, o senhor acredita que o caminho é reatar as relações desgastadas com os países do bloco? Ou o Brasil deve reorientar sua posição dentro da América do Sul?

CG: Eu acho que o Brasil, hoje, está acertando em cheio na sua política, apesar da crítica de uma certa elite entreguista. Nosso primeiro movimento deve ser a integração sul-americana. O Mercosul já é o embrião, que deve ser emulado, fortalecido, superado suas contradições. E, no Mercosul, a Argentina deve ser a nossa parceira sempre predileta, preferencial, por mil razões estratégicas para eles e para nós. E eu quero lhe dizer que sou um dos fundadores do Mercosul. Como ministro da Fazenda fui eu que elaborei o tratado de Outro Preto, que consolidou o Mercosul.

Em seguida, o Brasil tem a idéia de um mundo multipolar. Então nós temos um esforço em direção à África, que é correto, depois de anos de abandono. Temos o esforço em direção ao mundo árabe, que é correto, dado à própria formação da nação brasileira. Temos um esforço de interlocução com a Europa. Temos atuação sem timidez, nem interdição ideológica, nem vassalagem nos pólos multilaterais, o Brasil tem grandes vitórias na OMC (Organização Mundial do Comércio). O Brasil tem pressionado altivamente, mas de forma diplomática e correta, na Rodada de Doha. Temos uma relação que não temos de temê-la, porque é uma relação normal, tradicional e continental com os Estados Unidos. Apenas nós não somos protagonistas de nenhum projeto unipolar do planeta, seja de quem for. Porque nós advogamos uma ordem multipolar, assentadas nos fóruns multilaterais e numa ordem jurídica que se baseie pelo princípio da autodeterminação de todos os povos, na solução pacífica dos conflitos e é isso que nós temos praticado. Nós estamos em um bom momento na relação com os Estados Unidos, apesar de todas as contradições e ficamos contra a invasão do Iraque.



P: A Folha de São Paulo publicou esta semana que, na opinião de Ciro Gomes, a oposição é favorita em 2010. Por quê?

CG: Porque eu conheço a história do Brasil. Não haverá outro Lula. O Lula é um produto de um momento, de uma sociologia, de uma personalidade absolutamente única. Não se produz esse tipo de fenômeno com vulgaridade em nenhuma nação, muito menos no Brasil. Isso quer dizer que a política vai tomar um avanço que é, muito menos, uma dependência de pessoas e muito mais um exercício de organizações, de coletivo, de idéias, de bandeiras, de experiências. E a experiência, as pessoas, o poder e as organizações que hoje estão ao redor da liderança do PSDB de Minas (Aécio Neves) e ao redor da liderança do PSDB de São Paulo (José Serra), os dois maiores colégios eleitorais do país, eles são ambos do mesmo partido. Há uma contradição ali, que não é só de apetite pessoal. É uma contradição de concepção, de visão, embora nuançada, não agressiva, não profunda, mas há uma distinção. Se eles se acertam, eu não tenho a menor dúvida de que eles têm certo favoritismo que só será compensado se o governo Lula, naquela data, estiver pilotando incontrastável sucesso. E nós, cá do nosso lado, tenhamos também juízo para não colocar ambições pessoais, particulares acima do interesse estratégico do Brasil. Porque, para mim, o inimaginável é, depois de todo esse esforço, desse ganho, desse sacrifício, nós permitirmos um retrocesso.



P: E sobre a especulação de sua candidatura como representante da coalizão do governo, o que o senhor tem a dizer?

CG: Nada. Eu acho que só essa compreensível, porém impertinente, curiosidade da imprensa mais a adrenalina descalibrada dos políticos é que permite você, com alguma conseqüência, ajuizar o que será 2010 há seis meses das últimas eleições. Claro que não se vai inventar candidatos. Deve haver uns 20 brasileiros, e ainda pode aparecer alguém na véspera, então serão 21. Mas é provável, como eu lhe disse na pergunta anterior, que será muito mais um embate de concepções, de organizações do que de personalidades. Para ser honesto, eu acredito que eu seja um dos 20, 21 que possam estar na cogitação. Mas é muito cedo.



Foto: Polipoliticus