26.5.07

No vácuo do etanol e do biodiesel

.




Foram dois dias de visita oficial ao Paraguai. O presidente brasileiro encontrou-se com Nicanor Duarte no domingo (20) e na segunda-feira (21), quando assinaram acordos de defesa nacional, incentivo aos biocombustíves e controle da febre aftosa. Lula ainda levou a tiracolo uma patota de empresários com o selo de “prováveis investidores”, na tentativa de demonstrar boa vontade da nossa parte. Entretanto, a recepção da imprensa e do povo paraguaio não foi, exatamente, cordial. Mordidos com a história de Itaipu e desconfiados em relação aos “brasiguaios”, os jornais externaram um descontento geral para com as relações políticas e econômicas que se estabelecem entre Brasil e Paraguai.

No que toca à usina, o desconforto é gerado pela dívida paraguaia com o estado brasileiro – que se arrasta desde a construção, em 1974 – e pelos termos do contrato que regulamenta o funcionamento da hidrelétrica binacional. O Tratado de Itaipu garante metade da energia produzida para cada uma das nações, sendo que o excedente não pode ser vendido a terceiros e deve ser cedido ao país parceiro pelo preço de custo. Como o Paraguai supre 95% de sua demanda com apenas 15% da produção de Itaipu, o Brasil compra os 35% excedentes por um preço abaixo do mercado. Enfim, se vendesse a energia elétrica à Argentina, como se cogita sub-repticiamente, o Paraguai geraria uma considerável receita extra. Sobre a dívida, já há acordos que beneficiam nossos vizinhos, porém Lula adiantou que não se deve mexer no contrato de utilização da energia, sob risco de estremecer a boa relação diplomática entre os dois países.

No caso dos “brasiguaios”, a hostilidade é maior. Fixados ilegalmente na região fronteiriça do Paraguai, cerca de 500 mil brasileiros (equivalente a 8% da população paraguaia) plantam em terras adquiridas principalmente depois da construção de Itaipu. A animosidade dos paraguaios nativos já resultou em enfrentamentos, imóveis incendiados e inúmeras atitudes discriminatórias. O próprio estado paraguaio já ameaçou expulsar os brasileiros instalados na região de fronteira, onde a venda de terras a estrangeiros é proibida pela constituição.

Os números do intercâmbio comercial entre os dois países acentuam a desproporção da relação bilateral. O Paraguai representou 0,9% das exportações brasileiras e só 0,32% do total das importações. Mais concretamente, o Brasil vendeu ao Paraguai US$ 1,2 bilhão e comprou US$ 295 milhões. Ou seja, nesse caso, somos “cachorro grande” e é difícil convencê-los de que não têm motivos para nos chamar de “imperialistas e exploradores”, como fez o periódico ABC Color no dia em que Lula chegou a Assunção.

Entretanto, mesmo sob pressão, o mandatário brasileiro não arredou o pé na questão do contrato de Itaipu, tampouco considerou o assunto digno de diálogo. Nosso administrador-mor, que se diz defensor dos membros mais pobres do Mercosul, parece que encontrou uma boa estratégia de projeção política na turbulenta América do Sul. Percebe-se o início de uma guerra de influências entre Lula e Chávez no continente. De forma sutil e implícita, a discussão sobre matriz energética têm evidenciado o presidente brasileiro, defensor dos biocombustíveis, e angustiado o venezuelano, déspota petroleiro.

Dia 27 de abril, Lula firmou com o Chile um acordo para a produção de biocombustíveis similar ao que assinou na visita ao Paraguai. Ademais, ofereceu à Bolívia um pacote de investimento que incluem a construção de uma planta de biodiesel. Enfim, vem tentando pegar o vácuo do etanol e do biodiesel para afirmar-se como liderança no continente, pondo-se, mesmo que discretamente, do lado oposto ao de Hugo Chávez. O conflito de interesses está declarado, restando-nos esperar quem será o primeiro a romper a cordialidade.







Mea culpa
É inegável. Mutatis mutandis, o Brasil estabelece uma relação de imperialismo para com os países menos expressivos economicamente. Alteram-se os papéis e as proporções, mas a lógica é a mesma da nossa relação com o “perverso império yankee”: favorecer-se do mercado consumidor e da produção de um país menos desenvolvido para potencializar o crescimento econômico nacional.

Pimenta nos olhos dos outros é colírio, mas é difícil reconhecer-mos que, eventualmente, também nos prestamos ao papel de vilão do sistema.


Fotos: Agência Brasil (Lula e Nicanor Duarte) e sopabrasiguaia.com (usina)

19.5.07

Ciro, um socialista entre os 20, 21...

.


Na manhã de ontem (sexta-feira), foi reinaugurado, em Palmas, o PSB (Partido Socialista Brasileiro) do Estado do Tocantins. Um time de políticos e autoridades lotou o palco e a mesa oficial do evento. Foram tantos deputados, secretários de Não-Sei-Quem, Ex-Isso e Ex-Aquilo, que faltou espaço. Até Ariano Suassuna, o Forest Gump brasileiro, teve de fazer sua graça. O autor e militante do PSB, que estava em Palmas como convidado do Salão do Livro, não resistiu a um breve discurso para contar mais algumas “incríveis histórias de sua incomparável vida”.

Entretanto, a atração principal foi Ciro Gomes. Depois de discursar, o deputado concedeu uma entrevista exclusiva ao Polipoliticus sobre política latino-americana e sua possível candidatura à presidência em 2010. Abaixo, tu podes ler a conversa improvisada no camarim do palco, enquanto Ciro “restabelecia o nível de nicotina no sangue”, como brincou.





Polipoliticus: Sendo membro do Partido Socialista Brasileiro (PSB), como o senhor enxerga esse avanço do Socialismo do Século XXI, promovido pelas lideranças do esquerdismo latino-americano?

Ciro Gomes: Acho que ali há um punhado de valores corretos e um imenso vazio doutrinário. Vejo com preocupação, porque os valores corretos podem ser mal versados, mais uma vez. Muito por interdição e estupidez internacional e muito também pelas exigüidades concretas do dia-a-dia. Eu quero falar concretamente: você ter de volta o resgate da defesa do interesse nacional nesses tempos é absolutamente fundamental. O Lula, por exemplo, defende o interesse nacional, e isso não é por goela. O Brasil trabalhava em déficit em transações com o estrangeiro e sempre precisava ser o bom moço internacional: três acordos com o FMI, os três maiores da história. E hoje nós temos superávits em transações com o estrangeiro e temos maiores volumes de reservas. Isso restaura modernamente a nossa soberania. Já no caso da Bolívia, se pratica esse valor fundamental da defesa do interesse nacional de uma forma diferente. Mas eu percebo no Evo Morales, Chávez, homens honestamente defensores do interesse nacional de suas respectivas nações.

Depois você tem a questão da defesa de uma economia mista. Uma economia que respeitando o protagonismo ou a parceria da iniciativa privada, não dispensa, pelas iniqüidades dramáticas, a presença do Estado. Isto é um valor correto, que deve ser recuperado de forma desimpedida dessa interdição ideológica que o neoliberalismo e sua propaganda quiseram impor e que já fizeram um grande mal ao Brasil.

E por fim essa solidariedade com o pobre. Isso não deixou de ser um valor a ser perseguido obstinadamente, que está embutido na idéia do socialismo. Como fazê-lo, dadas as intrincadas alterações que a tecnologia, as comunicações e o imbricamento das economias nacionais, no espaço global, impuseram? Nesse padrão deletério de consumo que está destruindo o planeta, isso tudo exige o que falta nessas experiências (de Chávez e Morales): imaginação. Imaginação e uma aposta de que isso não é esforço para ser bem executado por déspotas esclarecidos. Isso há de ser, antes de mais nada, o esforço de qualificação das bases em que se organizam as nossas comunidades nacionais.



P: Levando isso em conta, sua postura em relação às movimentações políticas de Hugo Chávez e Evo Morales, no que toca à questão da nacionalização dos hidrocarbonetos, seria diferente da postura que tomou o presidente Lula?

CG: Não. Pelo contrário. Eu acho que o Lula tem muito mais argúcia e vem perseguindo com muito mais efetividade esses valores, do que esses outros experimentos. No caso do Evo Morales, eu faço uma distinção: ele erra totalmente na forma – falta, na minha opinião, conteúdo –, mas a Bolívia tinha todo o direito de corrigir essa distorção espoliadora que se lhe fez o Brasil, inclusive, em outros tempos, de suas únicas riquezas. Não há dúvida disso para mim. A forma de fazer é que, definitivamente, não é correta.



P: Em relação ao Mercosul, o senhor acredita que o caminho é reatar as relações desgastadas com os países do bloco? Ou o Brasil deve reorientar sua posição dentro da América do Sul?

CG: Eu acho que o Brasil, hoje, está acertando em cheio na sua política, apesar da crítica de uma certa elite entreguista. Nosso primeiro movimento deve ser a integração sul-americana. O Mercosul já é o embrião, que deve ser emulado, fortalecido, superado suas contradições. E, no Mercosul, a Argentina deve ser a nossa parceira sempre predileta, preferencial, por mil razões estratégicas para eles e para nós. E eu quero lhe dizer que sou um dos fundadores do Mercosul. Como ministro da Fazenda fui eu que elaborei o tratado de Outro Preto, que consolidou o Mercosul.

Em seguida, o Brasil tem a idéia de um mundo multipolar. Então nós temos um esforço em direção à África, que é correto, depois de anos de abandono. Temos o esforço em direção ao mundo árabe, que é correto, dado à própria formação da nação brasileira. Temos um esforço de interlocução com a Europa. Temos atuação sem timidez, nem interdição ideológica, nem vassalagem nos pólos multilaterais, o Brasil tem grandes vitórias na OMC (Organização Mundial do Comércio). O Brasil tem pressionado altivamente, mas de forma diplomática e correta, na Rodada de Doha. Temos uma relação que não temos de temê-la, porque é uma relação normal, tradicional e continental com os Estados Unidos. Apenas nós não somos protagonistas de nenhum projeto unipolar do planeta, seja de quem for. Porque nós advogamos uma ordem multipolar, assentadas nos fóruns multilaterais e numa ordem jurídica que se baseie pelo princípio da autodeterminação de todos os povos, na solução pacífica dos conflitos e é isso que nós temos praticado. Nós estamos em um bom momento na relação com os Estados Unidos, apesar de todas as contradições e ficamos contra a invasão do Iraque.



P: A Folha de São Paulo publicou esta semana que, na opinião de Ciro Gomes, a oposição é favorita em 2010. Por quê?

CG: Porque eu conheço a história do Brasil. Não haverá outro Lula. O Lula é um produto de um momento, de uma sociologia, de uma personalidade absolutamente única. Não se produz esse tipo de fenômeno com vulgaridade em nenhuma nação, muito menos no Brasil. Isso quer dizer que a política vai tomar um avanço que é, muito menos, uma dependência de pessoas e muito mais um exercício de organizações, de coletivo, de idéias, de bandeiras, de experiências. E a experiência, as pessoas, o poder e as organizações que hoje estão ao redor da liderança do PSDB de Minas (Aécio Neves) e ao redor da liderança do PSDB de São Paulo (José Serra), os dois maiores colégios eleitorais do país, eles são ambos do mesmo partido. Há uma contradição ali, que não é só de apetite pessoal. É uma contradição de concepção, de visão, embora nuançada, não agressiva, não profunda, mas há uma distinção. Se eles se acertam, eu não tenho a menor dúvida de que eles têm certo favoritismo que só será compensado se o governo Lula, naquela data, estiver pilotando incontrastável sucesso. E nós, cá do nosso lado, tenhamos também juízo para não colocar ambições pessoais, particulares acima do interesse estratégico do Brasil. Porque, para mim, o inimaginável é, depois de todo esse esforço, desse ganho, desse sacrifício, nós permitirmos um retrocesso.



P: E sobre a especulação de sua candidatura como representante da coalizão do governo, o que o senhor tem a dizer?

CG: Nada. Eu acho que só essa compreensível, porém impertinente, curiosidade da imprensa mais a adrenalina descalibrada dos políticos é que permite você, com alguma conseqüência, ajuizar o que será 2010 há seis meses das últimas eleições. Claro que não se vai inventar candidatos. Deve haver uns 20 brasileiros, e ainda pode aparecer alguém na véspera, então serão 21. Mas é provável, como eu lhe disse na pergunta anterior, que será muito mais um embate de concepções, de organizações do que de personalidades. Para ser honesto, eu acredito que eu seja um dos 20, 21 que possam estar na cogitação. Mas é muito cedo.



Foto: Polipoliticus

12.5.07

América LATINA

.


Como o Polipoliticus propõe-se a falar da dinâmica política da América Latina, vale esclarecer de que parte do mundo estamos falando. Ao contrário do que ensina a maioria dos professores do ensino básico, muitos países que ficam ao sul dos Estados Unidos não são latino-americanos.

O conceito refere-se aos territórios da América em que a população fala idiomas de origem românica como o espanhol, o português e o francês. De forma mais prática, é integrada por 20 países e mais 11 territórios que ainda não são independentes. Excluem-se, portanto o Suriname a algumas ilhas caribenhas, onde fala-se holandês, além de Belize, Jamaica, Guiana, Bahamas, Barbados e muitos países insulares onde o inglês predomina.

Essa é a constituição política da América Latina, mas, para se entender sua complexidade, é preciso falar do povo que vive por aqui. Devagar, pretendo escrever sobre quem são e como vivem os latino-americanos.

6.5.07

Pelea ideológica

.



Em clima de Guerra Fria, o documentário “Venezuela, una Amenaza Real”, produzido pela Fundação Nacional Cubano Americana (FNCA), descreve Hugo Chávez como o demônio encarnado. Dividido em cinco partes, a produção reúne fragmentos de discursos e imagens jornalísticas cobertas com uma narração e uma trilha sonora exagerada.

Fundada por exilados políticos, em 1981, a FNCA é integrada por empresários e profissionais opositores ao regime de Fidel Castro. A organização define-se como independente, não lucrativa, e enuncia que trabalha com dedicação e tenacidade para resgatar a democracia e a liberdade cubana.

Apesar de explicitamente ideológica e tendenciosa, a edição dos vídeos tem estratégias de persuasão. Vale a pena ouvir uma das partes envolvidas na guerra discursiva que promete esquentar o continente. Tu podes assistir aos cinco vídeos clicando abaixo:













Foto: Divulgação Palácio Miraflores

5.5.07

Alba será financiada por petrodólares

.



É reunião aqui e ali, cúpula disso e daquilo. A política latino-americana movimenta-se, não em sentido único, mas vai moldando suas alianças e configurando um cenário que deve ser turbulento nos próximos cinco anos. No último fim de semana, a cidade de Barquisimeto, na Venezuela, recebeu lideranças canhotas para a 1ª Cúpula da Alba (Alternativa Bolivariana para as Américas). Criada há três anos, a Alba reúne Cuba, Venezuela, Bolívia e Nicarágua, e tem como propósito central integrar a política, e não prioritariamente a economia, latino-americana. O foco de Fidel e do “Chapolin de Carácas”, Hugo Chávez, é firmar convênios sociais que permitam sintonizar a ideologia do grupo e desvincular a região das instituições financeiras internacionais como FMI e Banco Mundial.

Não é difícil adivinhar o tom dos discursos em um encontro de Chávez, Morales, Daniel Ortega, presidente da Nicarágua, e Carlos Lage, vice-presidente cubano. Ortega praguejou o imperialismo capitalista, Evo Morales coroou Hugo Chávez como Bolívar II, chamando-o de "libertador da América", e este, por sua vez, lamentou que o petróleo latino-americano servisse, no passado, ao desenvolvimento dos Estados Unidos.

Este ano, a Venezuela tem uma meta de produção de quase três milhões de barris de petróleo por dia. Esguichando ouro negro e distribuindo dinheiro, Chávez começa a concretizar seus planos. Aproveitando a onde de nacionalização dos hidrocarbonetos na Bolívia e em seu país, o presidente venezuelano garantiu, em Barquisimeto, suprir toda a demanda energética da Bolívia, Cuba, Nicarágua e Haiti. Ademais, 50% será financiada para a criação de um “Fundo Alba”, reservado a projetos sociais no setor agrícola, produção de alimentos e incentivos às pequenas e médias empresas desses países.

Outra forte medida política e econômica dos membros da Alba foi a decisão de se retirarem do Cirdi (Centro Internacional de Regra de Diferenças Relativas a Investimentos), vinculado ao Banco Mundial. O motivo alegado foi que as decisões judiciais do órgão não primam pela justiça, mas representam interesses de empresas multinacionais.

Também participaram da 1ª Cúpula da Alba, como observadores, o presidente do Haiti, René Préval, e a ministra das Relações Exteriores equatoriana, María Fernanda Espinosa. O Equador, comandado por Rafael Correa, adepto ao “socialismo do século 21”, já sinalizou que pretende aderir à Alba. O próprio Kirchner tem se mostrado solidário às causas do “Chapolin de Caracas”. Argentina, Venezuela e Bolívia pretendem instaurar o Banco do Sul para diminuir a dependência financeira da região.

E vem mais por aí. A 1ª Cúpula de Presidentes e Movimentos Sociais da região já foi convocada para o mês de julho, na cidade de Cochambamba, na região central da Bolívia.

E tu com isso, Lula? Melhor o muro, não é?