20.9.07

A saudade meridional

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Toda vez que cruzo o rio Uruguai e ando por ruas argentinas, tenho a impressão que voltei no tempo. Enxergo o Brasil de 1970, mesmo sem ter vivido esta década. Já cheguei a pensar que é proposital por parte deles. Parece que a nação governada por Kirchner não aceita a dura realidade econômica e os problemas sociais que lhes castiga hoje. Há uma saudade, apesar do vocábulo não constar no léxico castelhano.

A eleição vem chegando e tenho uma sugestão àquele que pretende ocupar a Casa Rosada. A promessa que garante a vitória é: “No meu primeiro dia de governo, colocarei todos em uma máquina do tempo e voltaremos a 1955. Darei férias eternas, no caribe, aos generais golpistas e vou garantir uma bolsa de estudos, em Hanói, ao garoto Carlos Menem”. Pronto, os tempos áureos, dos quais se orgulham e evocam frequentemente, estariam de volta.

Talvez ufanar-se do passado seja costume dessa gente do Sul do mundo. Essa dificuldade de apear do cavalo, de se resignar com a guaiaca vazia, de baixar a aba do chapéu é comum também no Rio Grande do Sul. Os últimos anos têm sido duros para a unidade federativa que já teve o maior Índice de Desenvolvimento Humano do Brasil.

Hoje é 20 de setembro, dia em que se comemora a tomada de Porto Alegre pelas tropas da Revolução Farroupilha em 1835. Chove em todo o Estado. O padroeiro dos gaúchos não acordou de bom humor e encharcou bombachas e vestidos. Nem assim perdeu-se a oportunidade de laçar o passado e fazer de conta que o Rio Grande ainda é pujante, rebelde e rico. O peão da indústria que faliu quer voltar a ser peão de estância. O caminhão do desfile quer se transformar em carroça. O piquete quer seguir cavalgando no final da avenida e declarar guerra.

Que drama! Encarar mais de R$ 17 bilhões de dívida pública não é fácil. Dificilmente as lanças, mosquetes e carabinas ajudariam.



Sou gaúcho forte, campeando vivo

Livre das iras da ambição funesta;

Tenho por teto do meu rancho a palha,

Por leito o pala, ao dormir a sesta.

Monto a cavalo, na garupa a mala,

Facão na cinta, lá vou eu mui concho;

E nas carreiras, quem me faz mau jogo?

Quem, atrevido, me pisou no poncho?

João Simões Lopes Neto



Fotos: 1) Gaúcho argentino do site http://www.oyitas.org.ar/; e 2) Batalha de Farrapos é um óleo de José Wasth Rodrigues que está na Pinacoteca Municipal de São Paulo.

3 comentários:

Augusto Paim disse...

Um texto muito bem escrito, sem ter onde tirar nem pôr.

E é realmente incrível como a nossa identidade é construída. Mesmo sendo gaúcho, eu tenho cá minhas dúvidas se não há exageros, se a imagem do gaúcho não é feita em cima de muitos preconceitos. "Somos o estado que sustenta o Brasil", ouvi um tradicionalista dizer, um tradicionalista que eu considerava moderado. "Somos o melhor estado do Brasil." Eu me questiono se para amar a terra e nossa cultura temos que ser melhores que outras terras e outras culturas.

No Rio de Janeiro, ouvi pelo menos dois jovens dizerem que não gostariam de conhecer o Rio Grande do Sul porque somos preconceituosos. Eu tentei argumentar, mas no fundo concordo, se formos pensar nos setores mais tradicionalistas da sociedade. Amor à tradição é uma coisa, preservar (sem impedir modernizações n)a cultura também. Agora, querer obrigar a todos os que nascem no Rio Grande do Sul a comprar essa identificação com o tradicionalismo, com uma lida campeira que não é a nossa realidade, querer nos obrigar a comprar essa identificação com os estereótipos e o preconceito... Não sei não.

Leonardo disse...

Muito bom o texto, cara. Sem onde tirar nem pôr, como disse o Augusto.

É engraçado observar em outros estados a impressão que se tem de nós, gaúchos. Percebe-se uma admiração, pelo forte cultivo das "tradições" (bem embora nem saibam que as ditas tradições não são bem aquelas que eles conhecem); percebe-se, ainda mais forte, uma certa antipatia, justamente porque essas "tradições" que se espalharam Brasil afora parecem que supõem uma certa arrogância, como se essas "tradições" se mantivessem apenas pelo cultivo de uma idéia de que somos "melhores" do que os outros - o que não deixa de ser verdade, basta olhar/ler/escutar os meios da RBS em época de Semana farroupilha.

É aquela coisa: "admiramos as tradições deles, mas isso não os faz melhor do que ninguém, como eles mesmos muitas vezes fazem supor". Daí nasce a fama espalhada Brasil afora de que somos arrogantes. E creio que essa arrogância tenha estado como pano de fundo de toda a criação do MTG, até mesmo para que o movimento viesse à sobreviver no meio de tanto pós-modernismo fajuto.

Não deixa de ser uma pena que para se cultivar algumas "tradições" se tenha de, muitas vezes, diminuir outras...

Abraço!

Aproveito pra te parabenizar pela conquista do emprego. Tu e todo o pessoal que te conhece sabe que tu vai longe, bem longe.

Anônimo disse...

Sou gaúcha, mas também argentina.

Então mudando um pouco o assunto dos comentários anteriores (viajando talvez), falo sobre a crise da Argentina que o Gustavo citou.
Comentam nas ruas da capital que, em poucos anos, haverá uma nova crise. Os portenhos estão percebendo isso pela inflação. Em Buenos Aires, o preço do tomate e da batata são altíssimos. Além disso, a tarifa do taxi subiu cerca de 30% três dias depois das eleições presidenciais.


Bom, vou esperar (temerária) para ver quais serão os resultados da política economica de Cristina K.