19.5.07

Ciro, um socialista entre os 20, 21...

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Na manhã de ontem (sexta-feira), foi reinaugurado, em Palmas, o PSB (Partido Socialista Brasileiro) do Estado do Tocantins. Um time de políticos e autoridades lotou o palco e a mesa oficial do evento. Foram tantos deputados, secretários de Não-Sei-Quem, Ex-Isso e Ex-Aquilo, que faltou espaço. Até Ariano Suassuna, o Forest Gump brasileiro, teve de fazer sua graça. O autor e militante do PSB, que estava em Palmas como convidado do Salão do Livro, não resistiu a um breve discurso para contar mais algumas “incríveis histórias de sua incomparável vida”.

Entretanto, a atração principal foi Ciro Gomes. Depois de discursar, o deputado concedeu uma entrevista exclusiva ao Polipoliticus sobre política latino-americana e sua possível candidatura à presidência em 2010. Abaixo, tu podes ler a conversa improvisada no camarim do palco, enquanto Ciro “restabelecia o nível de nicotina no sangue”, como brincou.





Polipoliticus: Sendo membro do Partido Socialista Brasileiro (PSB), como o senhor enxerga esse avanço do Socialismo do Século XXI, promovido pelas lideranças do esquerdismo latino-americano?

Ciro Gomes: Acho que ali há um punhado de valores corretos e um imenso vazio doutrinário. Vejo com preocupação, porque os valores corretos podem ser mal versados, mais uma vez. Muito por interdição e estupidez internacional e muito também pelas exigüidades concretas do dia-a-dia. Eu quero falar concretamente: você ter de volta o resgate da defesa do interesse nacional nesses tempos é absolutamente fundamental. O Lula, por exemplo, defende o interesse nacional, e isso não é por goela. O Brasil trabalhava em déficit em transações com o estrangeiro e sempre precisava ser o bom moço internacional: três acordos com o FMI, os três maiores da história. E hoje nós temos superávits em transações com o estrangeiro e temos maiores volumes de reservas. Isso restaura modernamente a nossa soberania. Já no caso da Bolívia, se pratica esse valor fundamental da defesa do interesse nacional de uma forma diferente. Mas eu percebo no Evo Morales, Chávez, homens honestamente defensores do interesse nacional de suas respectivas nações.

Depois você tem a questão da defesa de uma economia mista. Uma economia que respeitando o protagonismo ou a parceria da iniciativa privada, não dispensa, pelas iniqüidades dramáticas, a presença do Estado. Isto é um valor correto, que deve ser recuperado de forma desimpedida dessa interdição ideológica que o neoliberalismo e sua propaganda quiseram impor e que já fizeram um grande mal ao Brasil.

E por fim essa solidariedade com o pobre. Isso não deixou de ser um valor a ser perseguido obstinadamente, que está embutido na idéia do socialismo. Como fazê-lo, dadas as intrincadas alterações que a tecnologia, as comunicações e o imbricamento das economias nacionais, no espaço global, impuseram? Nesse padrão deletério de consumo que está destruindo o planeta, isso tudo exige o que falta nessas experiências (de Chávez e Morales): imaginação. Imaginação e uma aposta de que isso não é esforço para ser bem executado por déspotas esclarecidos. Isso há de ser, antes de mais nada, o esforço de qualificação das bases em que se organizam as nossas comunidades nacionais.



P: Levando isso em conta, sua postura em relação às movimentações políticas de Hugo Chávez e Evo Morales, no que toca à questão da nacionalização dos hidrocarbonetos, seria diferente da postura que tomou o presidente Lula?

CG: Não. Pelo contrário. Eu acho que o Lula tem muito mais argúcia e vem perseguindo com muito mais efetividade esses valores, do que esses outros experimentos. No caso do Evo Morales, eu faço uma distinção: ele erra totalmente na forma – falta, na minha opinião, conteúdo –, mas a Bolívia tinha todo o direito de corrigir essa distorção espoliadora que se lhe fez o Brasil, inclusive, em outros tempos, de suas únicas riquezas. Não há dúvida disso para mim. A forma de fazer é que, definitivamente, não é correta.



P: Em relação ao Mercosul, o senhor acredita que o caminho é reatar as relações desgastadas com os países do bloco? Ou o Brasil deve reorientar sua posição dentro da América do Sul?

CG: Eu acho que o Brasil, hoje, está acertando em cheio na sua política, apesar da crítica de uma certa elite entreguista. Nosso primeiro movimento deve ser a integração sul-americana. O Mercosul já é o embrião, que deve ser emulado, fortalecido, superado suas contradições. E, no Mercosul, a Argentina deve ser a nossa parceira sempre predileta, preferencial, por mil razões estratégicas para eles e para nós. E eu quero lhe dizer que sou um dos fundadores do Mercosul. Como ministro da Fazenda fui eu que elaborei o tratado de Outro Preto, que consolidou o Mercosul.

Em seguida, o Brasil tem a idéia de um mundo multipolar. Então nós temos um esforço em direção à África, que é correto, depois de anos de abandono. Temos o esforço em direção ao mundo árabe, que é correto, dado à própria formação da nação brasileira. Temos um esforço de interlocução com a Europa. Temos atuação sem timidez, nem interdição ideológica, nem vassalagem nos pólos multilaterais, o Brasil tem grandes vitórias na OMC (Organização Mundial do Comércio). O Brasil tem pressionado altivamente, mas de forma diplomática e correta, na Rodada de Doha. Temos uma relação que não temos de temê-la, porque é uma relação normal, tradicional e continental com os Estados Unidos. Apenas nós não somos protagonistas de nenhum projeto unipolar do planeta, seja de quem for. Porque nós advogamos uma ordem multipolar, assentadas nos fóruns multilaterais e numa ordem jurídica que se baseie pelo princípio da autodeterminação de todos os povos, na solução pacífica dos conflitos e é isso que nós temos praticado. Nós estamos em um bom momento na relação com os Estados Unidos, apesar de todas as contradições e ficamos contra a invasão do Iraque.



P: A Folha de São Paulo publicou esta semana que, na opinião de Ciro Gomes, a oposição é favorita em 2010. Por quê?

CG: Porque eu conheço a história do Brasil. Não haverá outro Lula. O Lula é um produto de um momento, de uma sociologia, de uma personalidade absolutamente única. Não se produz esse tipo de fenômeno com vulgaridade em nenhuma nação, muito menos no Brasil. Isso quer dizer que a política vai tomar um avanço que é, muito menos, uma dependência de pessoas e muito mais um exercício de organizações, de coletivo, de idéias, de bandeiras, de experiências. E a experiência, as pessoas, o poder e as organizações que hoje estão ao redor da liderança do PSDB de Minas (Aécio Neves) e ao redor da liderança do PSDB de São Paulo (José Serra), os dois maiores colégios eleitorais do país, eles são ambos do mesmo partido. Há uma contradição ali, que não é só de apetite pessoal. É uma contradição de concepção, de visão, embora nuançada, não agressiva, não profunda, mas há uma distinção. Se eles se acertam, eu não tenho a menor dúvida de que eles têm certo favoritismo que só será compensado se o governo Lula, naquela data, estiver pilotando incontrastável sucesso. E nós, cá do nosso lado, tenhamos também juízo para não colocar ambições pessoais, particulares acima do interesse estratégico do Brasil. Porque, para mim, o inimaginável é, depois de todo esse esforço, desse ganho, desse sacrifício, nós permitirmos um retrocesso.



P: E sobre a especulação de sua candidatura como representante da coalizão do governo, o que o senhor tem a dizer?

CG: Nada. Eu acho que só essa compreensível, porém impertinente, curiosidade da imprensa mais a adrenalina descalibrada dos políticos é que permite você, com alguma conseqüência, ajuizar o que será 2010 há seis meses das últimas eleições. Claro que não se vai inventar candidatos. Deve haver uns 20 brasileiros, e ainda pode aparecer alguém na véspera, então serão 21. Mas é provável, como eu lhe disse na pergunta anterior, que será muito mais um embate de concepções, de organizações do que de personalidades. Para ser honesto, eu acredito que eu seja um dos 20, 21 que possam estar na cogitação. Mas é muito cedo.



Foto: Polipoliticus

9 comentários:

Augusto Paim disse...

Tchê, tem que divulgar a torto e a direito!!!!

Andre disse...

ta grandao!!!
parabens pela entrevista

Leonardo disse...

Dae tche!
Pô, parabéns cara,tá bem jóia a entrevista.
Mas gostei dessa do Ariano Suassuna, o "Forrest Gump brasileiro" e suas “incríveis histórias de sua incomparável vida”. Como conta história esse loco, putz!

Mas quê, eu, que nunca fui muito com a lata do Ciro, vou repensar algumas posições a partir do que ele falou pra ti. Pareceu um cara bem consciente, ciente da nossa situação atual. E o que ele disse das eleições futuras, de que não haverá um novo fenômeno como o Lula e que será um debate mais de concepção e idéias, eu concordo plenamente - embora fique uma dúvida: dizem por aí que o Aécio, a qualquer empecilho pra sua candidatura, iria para o PMDB e concorreria contra o Serra, apoiado pelo PT. Se isso ocorrer mesmo (não estou por dentro o suficiente para acreditar piamente nisso), que concepções distintas serão debatidas nas eleições? Só se o Ciro for candidato...

abraço e parabéns pela entrevista!

Anônimo disse...

Gustavo!!!

Mas que entrevista "de fundamento"!
Parabéns pelo blog e principalmente pelo conteúdo dele!!
Tô lendo direto e os textos estão muito bem escritos. Continue assim, que os coleguinhas como eu estão se informando e aprendendo muito!!!

Abraços e Piruetas!!!

Edina

Anônimo disse...

Gustavo,

Que bela ousadia encarar uma fera igual o Ciro Gomes para essa maravilhosa entrevista. Alto Padrão. Consistente e clara. Parabéns aos dois: Você e o Ciro Gomes.

Unknown disse...

Eu não esperava menos de ti. Dá-lhe, Gustavo!

Anônimo disse...

Parabéns Gutinho, baita entrevista!!
Sempre que possível passo pra conferir o tal do Polipoliticus. Tô permanentemente na torcida por ti. Sucesso!

Noeli disse...

Um pouco tardia a minha "aparição" por aqui, mas dizem que nunca é tarde, principalmente para dar, a vc, Gustavo, os mais efusivos "PARABÉNS!", pela matéria, pelo blog como um todo, pela forma de abordagem dos temas...

Eta guri de "Cabeça boa!"

José Hennemann disse...

Valeu Gustavo !!!! Me impressionei pela sua qualidade desta matéria,e também pelo seu BLOG. Me orgulho muito em ter um sobrinho de tão alta categoria no ramo de jornalismo.... Nota 1000.... Continue assim... Você será um grande Jornalista.... DEUS irá te Abençoar tanto nesta sua profissão, que você irá se impressionar de +++++.... ABRAÇÃO ....José - Araguaína (TO)